segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Amarelo


Eu vi um homem de olhar turvo, sempre querendo dizer algo que não era capaz. Também vi uma moça tímida, desconfiada e seu olhar carregava todas as dores do mundo. Vi uma menina que ria escandalosamente, mas tinha um olhar fúnebre. Agoniada com todos os exageros, repudiei os atores e seus histerismos e, também, as passividades.

Acontece que eu estava olhando para mim durante muito tempo, até perdi os eventos mais importantes da vida de quem me rodeava. Eu era assim: só pra mim. Estava cega demais para enxergar outro alguém e com os ouvidos fechados demais para escutar algum grito silencioso ou, até mesmo, espalhafatoso.

Certo dia, li em um jornal: "No Brasil, há um suicídio a cada 45 minutos". "O que isso quer dizer? Onde estão essas pessoas?", pensei. Eu estava tão preocupada com meus próprios interesses, que não fui capaz de escutar as tristezas e perceber os sofrimentos. E, quando pensei bem, conclui: havia muitas pessoas ao meu redor que, em seus olhares, gritavam por socorro. Queridos amigos, encaremos a realidade: estamos dando as costas, em vez de oferecer nossos ombros e ouvidos.

Você vai dizer: "Mas não tenho tempo para ficar resolvendo problemas dos outros, basta os meus, que já são muitos!". Não duvido disso, ainda não conheci alguém com uma vida tão especial a ponto de não possuir nenhum problema. A questão é: será que, mesmo quando uma pessoa querida tirar sua própria vida, continuaremos com essa justificativa de falta de tempo? Talvez não consigamos dizer com tanta veemência que estamos tranquilos com a situação, afinal NADA poderíamos fazer para ajudar, já que estávamos muito ocupados e com a "cabeça cheia demais" para prestar auxílio a alguém.

Confesso: quando resolvi enxergar, vi tantas angústias, que resolvi voltar para mim. Escapei de toda e qualquer responsabilidade com o outro. "Como você teve coragem de ignorar todos os sofrimentos? Quanta insensibilidade!", você vai dizer. Essa resposta é fácil, é só fazer como todos fazem: vendo meus próprios problemas e me afogando neles, eu declarei para mim mesma: "Para que cuidar dos outros e ouvir suas dores? Você é quem precisa de ajuda e não eles!". 

Mas, agora, entendo o egoísmo da minha ação. Repudiei quem eu deveria amparar. Agoniei-me quando eu deveria me compadecer. Pensamos sempre que nossas necessidades são mais urgentes que as dos outros. Nossos dilemas são sempre  mais complexos do que os demais. E assim seguimos enganando a nós mesmos, forçando-nos a pensar que o nosso valor é inigualavelmente superior e que é suficiente cuidar apenas de nossas próprias deficiências.

E, enquanto buscamos nossa própria satisfação, o homem continua pedindo ajuda com toda sua incapacidade de se expressar, a moça prossegue carregando morte em seu olhar e a menina segue fingindo que está tudo bem. E você? Como já deixou bem claro, continua com sua falta de tempo. 


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