segunda-feira, 7 de maio de 2018

Salvamento


Eu estava sentada no ônibus. Milagre, não? Pois bem, de repente ele começou a encher. Não sei vocês, mas eu já decorei os pontos mais loucos do meu trajeto. Sobe gente de todos os tipos: alto, baixo, de aparência rica ou humilde. Minha aula era à tarde, portanto era aquele horário que mistura gente indo para a praia e adolescentes com uniforme escolar.

 O legal nos últimos bancos, é que você observa todo mundo e mais um pouco. Além disso, não fica esmagado quando aqueles que estão em pé e se escoram nas barras, porque sempre fica mais "lata de sardinha" próximo a porta que fica na parte da frente, quando as pessoas entram e não querem (ou não conseguem) se espalhar pelo corredor.

Surge então uma mulher com uma sacola vermelha com um bolo dentro. Aqui no Rio tem uma franquia muito conhecida de bolos caseiros e com que você pode escolher o granulado, a cobertura, a calda por um preço mais acessível. Virou modinha comprá-lo para aniversários e café da manhã na igreja. Ela estava muito bem arrumada, maquiada e com uma calça jeans modelo cenoura que eu fiquei encantada.  Vocês já foram cativados por algum desconhecido no transporte público? Normalmente acontece comigo se a roupa do indivíduo for muito estilosa.

Só que dessa vez eu fui cativada pelo tal bolo. Era de chocolate, tenho certeza. Conseguia ver através da sacola. A mulher se segurava em pé no ônibus com apenas uma mão, e a bolsa entrelaçada no outro pulso. Freiadas aqui e ali, mais gente subindo no ônibus: enfim, a tampa do bolo abriu.

Ela estava perto da porta, quase gritei lá de trás. Eu me identifiquei com ela, afinal quantas vezes não andei toda enrolada cheia de bolsas! Não fiz escândalo, ia perturbar quem tentava dormir e as pessoas de idade que estavam perto de mim. Além disso, morreria de vergonha. Foi assim que minha saga começou.

Faltavam uns 30 minutos para chegar na faculdade. Minha esperança era que ela descesse no mesmo ponto que eu! Havia um senhor em pé do meu lado, e a cada brecha no meu campo de visão em que era possível enxergar a moça, ficava fitando o rosto dela. Sabe aquela sensação de estar sendo observado? Pelo que pude perceber, ela não tinha isso.

Quanto mais gente entrava no ônibus, menor a possibilidade que ela me avistasse lá atrás e que eu desse meu aviso. Já estava revoltada: ninguém falou com ela sobre o bolo. Será que não perceberam ou não se importaram? Não sei, mas eu estava extremamente triste porque provavelmente o lanche dela seria arruinado.

O tempo foi passando. O bolo ainda parecia estar intacto na forma, apesar da tampa já estar solta no saco. A última rua antes da minha descida se aproximada e eu a fitava com  mais intensidade. Nunca vi alguém tão inabalável num ônibus em pleno Rio de Janeiro.

Momento decisivo: era minha hora de saltar no ponto, que por sinal, é onde quase todos que pegam a linha descem também. Levantei antes do que era necessário e comecei minha caminhada cheia de expectativa, para alcançar a mulher o mais rápido possível, antes o corredor se abarrotasse de gente novamente. HAVIA ESPERANÇA! O lanche da tarde daquela jovem seria salvo e eu era a responsável! Cheia de emoção, finalmente me aproximei.

- Com licença, senhora. O seu bolo está aberto.
- Ah, eu sei. Obrigada.

Descemos no ponto e ela seguiu em frente, enquanto eu entrava no prédio da minha faculdade. Continuou seu caminho com aquele lindo bolo de chocolate milagrosamente inteiro na forma, apesar do ônibus cheio e do descuido de sua dona. 

E é assim, meus queridos leitores, é que se estraga um salvamento.

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