Sou como aquela mulher de um conto de Lygia
Fagundes Teles, Natal na barca:
desgostosa da vida, acostumada com a escura solidão e que evitava, a todo
custo, comprometer-se com as histórias dos outros: “Eu queria ficar só naquela
noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já
ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não
tinha forças para rompê-los”. Tememos o envolvimento com o outro, porque nos
tira de nós mesmos.
A narradora-personagem contentava-se com a
solitude da viagem, embora cercada por gente. Eu, igualmente, ajo assim, pois imergida
em meus pensamentos, fico aflita quando as outras pessoas atrapalham minha
contemplação. A desordem da multidão, a inquietante vida humana, os desesperos
ordinários, os lamentos e as comemorações deixam de ser objetos de deleite e
passam a ser as perturbações de uma mente “tranquila”. Após refletir sobre meu
próprio comportamento egoísta, questões importantes se tornam meu tormento: sem
pessoas, viver faz sentido? As alegrias valem a pena se não forem
compartilhadas? A dor é suportável se não houver amigos?
Temos medo de nos envolver, porque sabemos
que, quando nos abrimos para a troca de vivências, nunca mais somos os mesmos.
O outro nos modifica e não queremos sair do confortável estado de apatia. A
moça considerava o diálogo um ócio, nada, insignificante, mas quando ele se
deu, de fato, a vida já não era a mesma.
Ela fazia de tudo para não se comover ou se
compadecer. E, quando pensou estar morto o filho da passageira, apressou-se em
sair e não sentir a dor daquela mãe. Engraçado, acho que pensamos assim: “Já
que não quero sofrer, vou deixá-los sofrendo sozinhos”. Recentemente, estava no
ônibus e tinha um homem acidentado na estrada, a moça que estava ao meu lado,
num pulo só, foi para a janela ver o ocorrido. Voltou gritando e chorando:
“Para que fui ver isso, meu Deus? Que coisa horrível! Agora não vou dormir!”. Enquanto
a mulher tentava esquecer a cena, a família do homem chorava por ter seu
parente ferido ou até morto. Como a música Eu
na sua pele diz, "falta lente pra ser consciente que quando se trata
de gente é do seu próprio irmão".
É dessas frases: “ainda bem que não foi
comigo” que eu estou falando. É daqueles olhares desviados de quem precisa de
ajuda. É daqueles sorrisos irônicos de quem só pensa em si. É daquelas
histórias que nunca ouviremos, porque não queremos nos envolver. No livro O pequeno príncipe, a raposa diz que cativar
é criar laços, é ter necessidade do outro e argumenta mais: “A gente só conhece
as coisas que cativou. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma.
Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os
homens não têm mais amigos”.
“Tu te tornas eternamente responsável por
aquilo que cativas”, disse também a raposa. Nós, que fazemos o possível para
não nos comprometermos, não queremos ser responsáveis por amar as pessoas nem
nos aproximarmos de modo a sermos atingidos por elas. E ficamos cada vez mais
indiferentes e amargos, por mais que, no fundo, reconheçamos que não há
proveito algum em viver só.
Há
tanta satisfação em conhecer as pessoas mais de perto e enxergar a humanidade que
há nelas! Traz vida à nossa monotonia. A moça da barca só reparou a água quente
e verde do rio quando se aproximou de alguém, porque antes tudo era quase
morte.
Por fim, deixo a música Tão Perto E Eu Não Vi que abalou profundamente minha
consciência, mas peço que, ao ouvi-la, leia também a história da composição na
descrição do vídeo, em que Thiago Grulha conclui: "Todo mundo é
importante! Todo mundo necessita de gente que se importe!".
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