segunda-feira, 30 de julho de 2018

Indiferença



Sou como aquela mulher de um conto de Lygia Fagundes Teles, Natal na barca: desgostosa da vida, acostumada com a escura solidão e que evitava, a todo custo, comprometer-se com as histórias dos outros: “Eu queria ficar só naquela noite, sem lembranças, sem piedade. Mas os laços (os tais laços humanos) já ameaçavam me envolver. Conseguira evitá-los até aquele instante. E agora não tinha forças para rompê-los”. Tememos o envolvimento com o outro, porque nos tira de nós mesmos.

A narradora-personagem contentava-se com a solitude da viagem, embora cercada por gente. Eu, igualmente, ajo assim, pois imergida em meus pensamentos, fico aflita quando as outras pessoas atrapalham minha contemplação. A desordem da multidão, a inquietante vida humana, os desesperos ordinários, os lamentos e as comemorações deixam de ser objetos de deleite e passam a ser as perturbações de uma mente “tranquila”. Após refletir sobre meu próprio comportamento egoísta, questões importantes se tornam meu tormento: sem pessoas, viver faz sentido? As alegrias valem a pena se não forem compartilhadas? A dor é suportável se não houver amigos?

Temos medo de nos envolver, porque sabemos que, quando nos abrimos para a troca de vivências, nunca mais somos os mesmos. O outro nos modifica e não queremos sair do confortável estado de apatia. A moça considerava o diálogo um ócio, nada, insignificante, mas quando ele se deu, de fato, a vida já não era a mesma.

Ela fazia de tudo para não se comover ou se compadecer. E, quando pensou estar morto o filho da passageira, apressou-se em sair e não sentir a dor daquela mãe. Engraçado, acho que pensamos assim: “Já que não quero sofrer, vou deixá-los sofrendo sozinhos”. Recentemente, estava no ônibus e tinha um homem acidentado na estrada, a moça que estava ao meu lado, num pulo só, foi para a janela ver o ocorrido. Voltou gritando e chorando: “Para que fui ver isso, meu Deus? Que coisa horrível! Agora não vou dormir!”. Enquanto a mulher tentava esquecer a cena, a família do homem chorava por ter seu parente ferido ou até morto. Como a música Eu na sua pele diz, "falta lente pra ser consciente que quando se trata de gente é do seu próprio irmão".

É dessas frases: “ainda bem que não foi comigo” que eu estou falando. É daqueles olhares desviados de quem precisa de ajuda. É daqueles sorrisos irônicos de quem só pensa em si. É daquelas histórias que nunca ouviremos, porque não queremos nos envolver. No livro O pequeno príncipe, a raposa diz que cativar é criar laços, é ter necessidade do outro e argumenta mais: “A gente só conhece as coisas que cativou. Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo já pronto nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos”.

“Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, disse também a raposa. Nós, que fazemos o possível para não nos comprometermos, não queremos ser responsáveis por amar as pessoas nem nos aproximarmos de modo a sermos atingidos por elas. E ficamos cada vez mais indiferentes e amargos, por mais que, no fundo, reconheçamos que não há proveito algum em viver só.

Há tanta satisfação em conhecer as pessoas mais de perto e enxergar a humanidade que há nelas! Traz vida à nossa monotonia. A moça da barca só reparou a água quente e verde do rio quando se aproximou de alguém, porque antes tudo era quase morte.
Por fim, deixo a música Tão Perto E Eu Não Vi  que abalou profundamente minha consciência, mas peço que, ao ouvi-la, leia também a história da composição na descrição do vídeo, em que Thiago Grulha conclui: "Todo mundo é importante! Todo mundo necessita de gente que se importe!".


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